Uma pesquisa exclusiva, encomendada pela BM&F Bovespa, mostra que a maioria dos brasileiros não entende nem o básico sobre investimentos e desconhece as mudanças econômicas que estão ocorrendo, como a queda dos juros.
É má notícia para o país !
Fonte
A crise de 2008 provocou uma reviravolta no mercado financeiro mundial, mas alguns conceitos sobre como investir permanecem universalmente aceitos.
São coisas básicas. Por exemplo:
- Quem diversifica corre menos risco de perder dinheiro se algo dá errado.
- Aplicações de renda fixa oscilam menos do que as ações.
- Para conseguir retornos maiores, é preciso arriscar mais.
E assim por diante.
E aí começam os problemas.
Os brasileiros não conhecem os princípios básicos do investimento.
Uma pesquisa encomendada pela BM&F Bovespa — a primeira do gênero já feita no país — mostra um quadro desolador.
Feita pelo Instituto de Pesquisas Rosenfield, a pesquisa traz as respostas de 2 000 pessoas ouvidas em 100 cidades no fim do ano passado.
Resultados da Pesquisa
Sobre a Caderneta de Poupança
Os resultados mostram um universo de gente que ignora mesmo os princípios financeiros mais elementares.
Eis um exemplo gritante:
- para 27% dos entrevistados, a caderneta de poupança, cujo retorno é praticamente o mesmo mês após mês, é o investimento mais arriscado do mercado. Mais até do que a bolsa! Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, é também a aplicação preferida: 44% disseram ter dinheiro na caderneta — enquanto apenas 4% afirmaram ter recursos na renda fixa e 1% na bolsa.
Mas o quadro ganha, ainda, traços surrealistas. Segundo a pesquisa, pode-se dizer que o brasileiro não gosta de arriscar. Mas por que, então, gostam tanto da poupança (tida, erroneamente, como arriscada)?
Provavelmente, porque é a aplicação mais conhecida: 97% declararam conhecer a caderneta, mas menos de 10% sabem o que é um fundo DI. “Muitas pessoas querem simplificar algo que é complexo, que é escolher aplicações adequadas a seu perfil. Acabam indo nas mais populares, simplesmente porque já ouviram falar”, diz a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, uma das principais estudiosas brasileiras do comportamento dos investidores.
Tamanha ignorância custa muito caro aos brasileiros. É a explicação mais provável para o fato de a poupança ter batido seu recorde de captação em 2012 — apesar de seu rendimento ter sido o menor em 46 anos. A rentabilidade da “nova” poupança (que tem seu desempenho atrelado ao da taxa básica de juro, a Selic) tem sido inferior à taxa de inflação. Num ambiente de queda dos juros, em vez de reavaliar suas aplicações e direcionar uma parcela de seus recursos para alternativas mais rentáveis do que a renda fixa, para não correr o risco de ver seu patrimônio diminuir em termos reais, a maioria dos investidores está fazendo o exato oposto. É de assustar.
Sobre Fundo de Investimento
Outros dados inéditos da pesquisa a que EXAME teve acesso mostram que só 17% dos entrevistados entendem o básico sobre o funcionamento de um fundo de investimento — ou seja, sabem que podem aplicar em diferentes ativos, como ações e títulos públicos.
Sobre Diversificação
As vantagens da diversificação também são desconhecidas da maioria: apenas 24% disseram que aplicar num fundo de ações, que investe em várias empresas, é menos arriscado do que comprar os papéis de uma única companhia.
Pouca experiência
Para alguns especialistas, o confisco da poupança, no início do governo Collor, em 1990, pode explicar o fato de a caderneta ser considerada arriscada por muitos brasileiros. Depois do Plano Real, os juros altíssimos permitiram que se ganhasse bem mais do que a inflação investindo apenas em fundos conservadores de renda fixa. Ou seja, mesmo com toda ignorância do mundo, era possível ganhar um bom dinheiro.
Mas hoje o cenário é outro — e boa parte da população ainda não se deu conta disso. Os juros caíram quase pela metade em um ano, mas um quarto dos entrevistados pelo Instituto Rosenfield disse que as taxas estão iguais ou maiores hoje do que no passado; 56% não têm a mais vaga ideia do que está acontecendo.
Fácil de enganar
Nos últimos 12 meses, a autarquia suspendeu as atividades de 14 empresas com atuação irregular — elas não eram autorizadas a intermediar ou oferecer produtos financeiros. Eram instituições pequenas, mas atendiam centenas de pessoas. Em janeiro, a CVM multou o banco Santander em 500 000 reais por manter um fundo DI com taxa de administração considerada lesiva, de 6,5% ao ano. “Em geral, o investidor aprende com quem está vendendo, e isso é um perigo”, diz Robert Stammers, diretor do CFA Institute, órgão que certifica profissionais de investimento no mundo.
Caso célebre no Brasil foi a “bolha do boi gordo” nos anos 90. Milhares de investidores foram vítimas de um golpe ao aplicar nas Fazendas Reunidas Boi Gordo, uma espécie de cooperativa financeira que prometia aos investidores retorno de 42% em 18 meses comprando e vendendo bois. No papel, estava tudo certo: havia títulos que representavam os bois e a empresa estava registrada na CVM. Fazendo propaganda no intervalo da novela O Rei do Gado, da Rede Globo, a Boi Gordo conseguiu reunir 32 000 investidores. Mas, em 2001, a empresa quebrou.
A CVM descobriu, então, que o investimento era uma pirâmide financeira que só se sustentava enquanto mais gente estivesse disposta a colocar dinheiro ali. Nas fazendas, não havia nem metade dos bois prometidos. A falência ainda corre na Justiça e, até agora, os investidores não receberam nada de volta — a expectativa da autointitulada Associação dos Lesados pela Fazendas Reunidas Boi Gordo é que haja algum pagamento neste ano.
Educação Financeira - primeiros passos
Timidamente, o governo começa a se preocupar com esse cenário. Lançou em 2010 um programa piloto de educação financeira em escolas públicas que, por enquanto, atende apenas 26 000 crianças e adolescentes, mas já foi elogiado pelo Banco Mundial. Segundo o órgão, trata-se do “maior e mais bem-sucedido programa de educação financeira do mundo”.
Os resultados foram avaliados pela instituição no fim do ano passado, e o grupo de alunos que teve aulas com conteúdo de educação financeira por um ano e meio aumentou a intenção de poupar e passou a participar do orçamento familiar em maior grau. “Quando é uma iniciativa localizada, a educação financeira muda o rumo dos alunos. Mas, em escala, muda o rumo de um país”, diz Arianna Legovini, chefe da área de avaliações de iniciativas de desenvolvimento do Banco Mundial.
O Brasil ainda está na primeira fase. Em média, poupamos bem menos do que os moradores de outros países da América Latina. De acordo com um estudo feito pela empresa de pesquisa Nielsen na América Latina, o que mais consome a renda dos brasileiros são despesas com “entretenimento” (cinema, restaurantes, shows etc.): representam 41% do total. Nossos vizinhos gastam 29% da renda com isso e destinam 38% para investimentos. Aqui, o percentual dos investimentos é de 27%.
Ignorância Financeira - consequências
As consequências de ter uma população que não sabe aplicar são variadas. Nenhuma delas é boa. Para a economia de um país, significa ter menos recursos disponíveis para investimentos. Para as famílias, o problema é que elas ficam mais vulneráveis. É esse o drama de milhões de famílias nos Estados Unidos hoje. Com crédito farto, os americanos, de forma geral, passaram as últimas décadas gastando bem mais do que economizando e investindo.
A taxa de poupança interna é uma das menores do mundo: responde por 11% do produto interno bruto (aqui, o percentual é de 19% do PIB e, na China, de 53%). Quando a crise de 2008 levou os bancos a endurecer as condições dos financiamentos, milhões de famílias pararam de pagar seus empréstimos — o governo liberou quase 300 bilhões de reais para ajudar na renegociação dessas dívidas.
Planejar mal o futuro — por exemplo, escolhendo investimentos que perdem da inflação — pode ter um efeito parecido. Investir direito já é difícil para quem entende das coisas. Por anos, o brasileiro se acostumou a ter bons retornos sem arriscar. A situação, hoje, é totalmente diferente. Ignorância, nesse caso, é prejuízo certo.
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